quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

silencioso


O final da tarde é quase sempre a hora do acordar. Biológico time, acredito. As células sabem do que preciso – formando um universo de sistemas que tramam meu andamento.
  • Que tramem ao meu favor, sempre!
    Lá fora não há sol e se existiu foi quando meus olhos fechados, ainda no sono, brincavam de noite.
  • Isso, lembro-me que sonhei com ela. Aquela menina e suas botinas negras. E, dentro das botinas aquelas pernas, parecendo Medusa entrelaçando-me. Acho que virei pedra quando misturei-me à ela. Caralho!! E agora? Preciso encontrá-la!
Quando o gelado jato de água derramou-se por sobre sua coluna dorsal, o primeiro pensamento silencioso aconteceu. E tudo tornou-se imagem. As pessoas; o vulto dela entre os corpos concretos da sexta-feira à noite; ela... Ela parecia não ter chão! Movimentava o quadril esquerdo que cedia passagem para que a perna direita alongasse à frente, construindo assim, a leveza de um mover quase oriental. Foi ali, que a Medusa o ganhou. Foi no exato momento em que a noite do seu olho abriu-se para dar passagem; fresta que o universo entreabre à uma miragem arquetípica e mitológica e que em dado momento nos toma, se apossa do ponto mais profundo e misterioso, o qual desconhecido por nossa própria consciência, começa a ebulir, tal a imensidão do mar.
Escorria do céu um mar vertical.
  • São Paulo é assim – pensou. Um misto de Avalon e urbanidade; cidade que a esconde.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

na estação


Entre as calçadas vazias, o gosto líquido da solidão... Mistura de Red Label, de chuva, de memórias... Humana's man. Havia, também, teu gosto entre meus dentes brancos. Talvez infância, talvez via láctea, talvez solidão... Aparição; eu iria aos confins!
  • Tens um cigarro...?
  • Não fumo – respondi. E o branco de tua camiseta sem mangas... É um Xamã?! - pensei. E amei a pele quase punk, e a confusão cultural e potencial e o coração e a leveza e o gesto e tudo, tudo, tudo...
  • Como se o universo se concentrasse ali, nele!
Depois disso, ligou-me:

  • Alô?
  • Quero te ver! - Fomos ao Jonny's bar, de imediato. Rolava um rock... Rolava um...
  • Não tô transando drogas.
  • Ah...
  • Tô limpa!
  • Desde quando?
  • Ah, desde a última tentativa.
  • Tentativa... Do quê?
  • Cortei os pulsos. Chegaram antes de cortar a jugular.
  • Ah... Vamos fazer amor? Ainda é melhor que o suicídio – disse-me com um olhar agudo.

Dobramos a Paulista e no primeiro canto, cometemos sexo ou... Amor.
O primeiro encontro foi... Atabalhoado... Melhor do que a lâmina, oposto ao frio. Havia calor de vida e a pegada dele... Parecia que pegava estrelas para memorizar brilhos. Leve, livre... Agarrei-me feito náufraga. A referência, o outro... Gente, vida...
Sexo com ele era lindo. Um rito grego digno de Apolo?
Algum efeito bombástico jogou-me novamente em Berlim: vislumbrei em seu olho a parede graffitada e uma memória "Man Hunt"... (de casa? ), manifestou-se.

Superei a cena desamarrando um cadarço das botinas e ergui minha perna bailarina até o centro de seu plexo... Foi um gozo infinito. Gostei daquele estilo jeans-rasgado, declamando ao mundo roto, sua própria decadência. Havia um tempo de 10.246 Km, que a vida não dançava em meu interno Feito chama, um fluxo sanguíneo aconteceu, marcando assim, a cumplicidade de nossos corpos ao sonoro… Gemeu muito; um bicho no cio.
Dois bichos em cio...Incomoda muita gente! As sirenes e os holofotes gritaram conjuntos a nós.
Ajeitamos as roupas da forma mais rápida possível e rindo muito do sem susto, retirou da mochila azul sua Spray Can e sangrando a parede, riscou-me junto à composta palavra ESTAÇÃO GRAFFITI.
  • You there, a moça que me traçou!
Sorriu rasgado e o murmuriá da Paulista, anunciava já a madrugada em alta. Buscamos uma sinuca, depois, mais sexo... Enquanto acariciava-o com minha saliva, perguntou-me:
  • Onde aprendeu isso, menina?
  • Ah... Invento – disse-lhe, sem concluir que invento também o vermelho da alma.
Chove profundamente sobre a copa acinzentada dos edifícios. São Paulo é assim, um misto de Avalon e urbanidade. Atrás da cortina que sobrepõe a vidraça, há uma outra que sobrepõe o céu. E, entre as duas, escorre a chuva.